Em seu livro De rerum natura, Lucrécio afirma: “Visto que há quando os elementos da matéria são sacudidos por alguma força através da carne viva e os membros se agitam desordenadamente no âmago de suas bases; então, quando retomam ao seu lugar, há doce prazer”.
Falar sobre estado afetivo é uma tarefa difícil. Pois, tudo que é afetivo é subjetivo, é experimentado por um sujeito e se opõe à vida intelectual. A dor e o prazer fazem parte desse estado. São difíceis de serem definidos. São experiências subjetivas. Todavia, alguns pensadores encontraram um meio de explicá-los racionalmente. Entenderam que o prazer é, essencialmente, ausência de dor.
Epicuro, autor da famosa Cartas sobre a felicidade, um pensador que não tinha uma boa saúde, vítima de moléstia cada vez mais penosa, à medida que envelhecia, o prazer tornou-se para ele a felicidade, como para os estóicos fora a virtude. Uma felicidade que como observou Maritain em sua obra La philosophie morale, coloca o homem no “mesmo nível dos deuses”: evasão ou libertação do sofrimento, um estado interior de ignorância da dor, ignorância do temor, ignorância da enfermidade. Um estado de supremo prazer, não o prazer “artificial” (luxo, vaidade...), mas a supressão de toda sensação penosa. Sc hopenhauer em seu texto aforismo para a sabedoria da vida, inspirado no budismo que só concebe a felicidade sob o aspecto da cessação do sofrimento, cuja forma acabada é o nirvana, afirma, também, que toda necessidade é sofrimento porque é a ausência de um bem desejado, enquanto o prazer da posse reduz-se à ausência de sofrimento.
Ora, afirmar apenas que o prazer é a negação da dor, significa basear-se em preceitos simplórios e hipócritas de ordem moral, com o único intuito de depreciar o prazer. Significa, também, confundir deliberadamente a necessidade com a dor, para afastar o homem da busca de certas satisfações carnais, para que ele se contente com o ideal de serena indiferença, de ausência de perturbações e de desejos que constituem, por exemplo, a “ataraxia” epicurista. É necessário entender que prazer não é negação da dor e esta não é negação daquele, mas pertencem a funções “su bjetivas” totalmente diferentes. Reduzir o prazer ao estado de ausência da dor é querer simplificar aquilo que não permite simplificações.
Portanto, o prazer não é, como afirmaram Epicuro e Schopenhauer algo absolutamente passivo, uma simples cessação da dor: ele é, como ensinou Aristóteles em sua obra Ética a nicômaco, o coroamento de uma atividade. Espontaneamente, ele funciona como algo que “aperfeiçoa” as atividades das funções naturais. Não pode ser explicado por uma excitação exterior, independente das tendências do sujeito. Ele está diretamente ligado ao sentido da necessidade. Todo o ser vivo dirige, espontaneamente, para o alimento ou para o companheiro sexual. E o prazer corresponde à conquista e, inclusive, à antecipação do objeto complementar pela “tendência apropriativa”.
Enquanto o prazer, precedido por uma necessidade, supõe a conquista de um objeto que inicialmente está ausente, a dor revela, ao contrário, a presença de um obstáculo e provoca um movimento reflexo para se libertar do mesmo. O prazer marca o sucesso de um impulso para um objeto, a dor precede à expulsão de um obstáculo. O prazer está ligado ao sentido da necessidade, a dor ao sentido da defesa. Enquanto o prazer exprime a realização de uma função, a dor assinala um perigo para o ser vivo e, por isso, permiti-lhe procurar um remédio. Portanto, prazer e dor devem ser entendidos como sendo dois problemas separados e com suas especificidades próprias. Prazer não sig nifica ausência da dor, e nem a dor significa ausência do prazer. São estados afetivos. Uma pessoa pode sentir dor de cabeça, por exemplo, e, no entanto, sentir prazer em beber um copo com água se estiver com sede.
José João Neves Barbosa Vicente – josebvicente@bol.com.br
Filósofo, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB
No comments:
Post a Comment