Saturday, December 29, 2007

O pai não estava lá

Desejamos dividir convosco, caros amigos e leitores, alguns momentos e situações aquando da nossa última estada na ilha do Fogo.

Visitamos alguns lugares para matar saudades.

Mas foi no quarto do nosso pai, falecido há dois anos, que o nosso coração sofreu intensamente. Sentimos saudades. Tudo está como antes naquele quarto. A sua lanterna, a sua mala, a sua bengala, a sua caixa de cancan, a sua cama, tudo está lá, menos o pai. Claro que não podia estar. Ele morreu. Nós já sabíamos que ele não estava lá porque foi na nossa presença que ele saiu de lá numa urna, vestido com o seu fato de cor preto, olhos fechados e em silêncio ante o choro desesperado dos filhos cada um para o seu canto. Isto foi há dois anos.

O nosso pai que parecia imortal, que raramente adoecia, que tinha solução para tudo, morreu. Ele não tem saído na varanda do seu quarto, como habitualmente, nos últimos dois anos porque ele não está lá. Morreu.

Todas as vezes que o visitávamos em vida fazia-nos recomendações. Na nossa última estada no Fogo, nenhuma recomendação trouxemos porque ele não estava lá. Morreu.

A morte é dura. Quando morre alguém que amamos parece que perdemos um pedaço. Já devem estar a imaginar em que estado nos encontramos ao escrever esta nota. Com muitas lágrimas a atrapalhar o nosso raciocínio.

Na semana passada quando entramos no quarto dele, com aquele silêncio apenas interrompido de vez em quando pelos berros de uma cabra perto da varanda do quarto dele, chorámos como aquela criança do sexo masculino que saiu daquela casa aos 14 anos para estudar na cidade da Praia e nunca mais voltou. Chorámos como aquela criança que gostava de correr atrás das cabras e sentir o cheiro do chão molhado pela chuva que caía durante a noite.

Todos viram-no a sair de casa. Era 28 de Setembro de 1982, numa terça-feira à tarde, pelas 14h 25mn. Na verdade, aquela criança nunca saiu daquela casa. Ainda lá reside e sempre residirá. Todos saíram menos ela.

Esta criança ficou com marcas indeléveis do pai.

E quando a dor aperta o remédio é chorar abundantemente. A nossa dor é ainda maior quando lembramos que podíamos ter tido muito melhor relacionamento e isto só foi possível bastante tarde. Quanto tempo perdido.

Fica o consolo de termos dito um ao outro, antes dele partir para a eternidade, que amávamos intensamente. Abraçámos e perdoámos um ao outro.

Da nossa estada no Fogo, despedimos até a volta.

Mas aquela criança ficou naquela casa a chorar desconsoladamente.

Por: José Heleno Pereira

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