Friday, August 14, 2009

Na estrada dos Lajedos


Quando o carro parou, pedi uma boleia, mas o condutor exigiu-me um papel. Eu não tinha esse tal papel autorizando-me a passagem! Não interessa a boa sorte dos outros… indocumentados. Coloquei o acordeão nas costas, tomei a mochila e encetei o caminho para casa.

A noite começara a cair.

Depois de andar um bocado, passei por uma casinha junto da qual vi uma família assentada. O pai, vendo-me, perguntou logo:

- Sr. Eudo, vai a pé? Ó homem!... gostaria de o acompanhar, mas tenho uma filhinha doente…

E imediatamente recordei-me de que há neste mundo tanta gente com bons desejos, mas incapaz de os realizar em face dos seus problemas. “Senhor, deixa-me primeiro que vá enterrar o meu pai”, disse alguém a Jesus. Continuei a andar.

A noite desceu, com o seu manto. Algumas estrelas no céu; nenhuns pardais, que voassem à frente; o ar parado. Não, não havia árvores que batessem as palmas, aos “formosos pés que anunciam o Evangelho”. Somente o bater do meu coração e o som cavo dos meus passos.

Durante algum tempo lá fui, procurando firmar os meus no caminho, ate ver ao longe uma luzinha. Há muito que esperava vê-la. Era a luz do guarda da Brigada. “Guarda, que houve de noite? Guarda, que houve de noite?” – E disse o guarda: “Vem a manhã, e também a noite…” (Isaías 21:11,12). Que grande consolo ver a luzinha! Paulo não se esquecia das luzes que Deus pusera no seu caminho: a família de Estefanas, Fortunato, Rufo, Tercio, Epafrodito, etc. – pequenas e consoladoras luzes que tornaram muitas vezes o seu caminho mais suave.

Continuei a andar. Leitor amigo, não sei se já andaste alguma vez sozinho em noite escura. Tu e Deus. Algumas vezes é terrível! Tu e Deus! Pensei em Jacob. Mas foi-me agradável verificar que podia orar, andando pelo caminho. Lembrei-me de Abraão, quando levantava meus olhos para as estrelas; de Jesus, quando procurava ver onde punha os pés; dos irmãos de Mindelo, quando via a luz da cidade ao longe.

A estrada Porto-Lagedos já tem uma parte calcetada. Ao entrar nela sabia que estava mais próximo do meu alvo. À medida que nos aproximarmos do Céu, o percurso se faz mais suave. A vida cristã é como um rio. Ao encetarmo-la, os obstáculos, as provas, procuram dificultar a viagem; mas, com o andar dos tempos, em boa comunhão com Deus, muitas destas dificuldades e provas desaparecem, e o próprio Satanás (o Leão), compenetrando-se de que “com aquele nada há já a fazer”, volta-se para as novas presas mais fáceis.

Levei algum tempo a percorrer o caminho calcetado: mais do eu supunha. Assim também é a vida. Muitos querem chegar ao Céu e descansar, mas a vida se prolonga mais um bocado, porque “quem conheceu a morte do Senhor?”

Sabia que, mais à frente, havia o cemitério. Para alguns tal facto constituía uma experiencia desagradável. Pensei: aqui é o lugar dos mortos, quantos estarão mortos no Senhor? Com tanta idolatria e corrupção, quantos?!... Uma estrada… duas saídas… Céu ou inferno? Graças a Deus por Jesus Cristo! Até à idade dos 22 anos o medo mandava em mim, e ali estava eu a passar pelo cemitério à noite!

Um bocado além deparei com outra casinha sem porta nem janela e sem tecto: uma desolação! Quantos morrem para ficar, para lá do cemitério, na Terra da desolação – nas trevas!

Finalmente, a luz da Fabrica! Vozes! Mais luzes! Mais gente! O caminho terminara! O Lar, enfim! Os amados! As dores passadas, esquecidas! Para lá do cemitério, - o caminho longo e áspero, a dureza do pecado, a injustiça dos homens, a solidão, a canseira! Para cá, - a luz, o lar, a alegria, o descanso!

Quando passei pela Brava, a irmã Lota cantou para mim:

Para casa vou (bis)

Jamais morrer (bis)

Pois, deixa quem quer procurar

Morar aqui neste mundo vão!

No Céu terei um bom lugar,

Se limpo for o seu coração.

Enquanto peregrino for,

Sujeito a grande aflição,

Igual ao pobre Lazaro,

Irei ao seio de Abraão.


E eu completei:


Todos os amados encontrar-se-ão

Lá no lindo céu um dia;

Alegria santa sempre ali terão

Onde tudo é muito feliz


Por, Eudo Tavares de Almeida

Fonte: Epístola Vol. 9, Nº 10, Outubro/1964, Pag. 148-151

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