Saturday, February 20, 2010

DINHEIRO: UMA NOVA DIVINDADE

O economista indiano Amartya sen, disse em seu livro On ethics & economics: “É difícil crer que pessoas reais poderiam ser totalmente indiferentes ao alcance do auto-exame induzido pela questão socrática ‘Como devemos viver? ‘”. Ora, infelizmente, no mundo da “divindade dinheiro” isso se tornou prática comum.

A arte da vida em comum foi transformada, depois da revolução industrial, na ciência da submissão dos escravos aos senhores. Essa religião da economia que faz do capital seu deus e dos homens vulgares fiéis, sujeitos a impostos e corvéias precisa ser revista. A economia precisa ser confinada no registro único dos meios e não dos fins. Ela precisa estar a serviço e parar de exigir ser servida. O mundo parece viver os ensinamentos de Hecaton, filósofo estóico do século II a.C:  entre a salvação de um terceiro e a conservação de seu próprio interesse, deve-se sempre preferir a segunda solução. Ou seja, para Hecaton é preciso dar preferência ao interesse pessoal sobre a humanidade. Esse princípio está presente em todos aqueles que praticam a economia como uma atividade isolada. Mas, também, está presente naqueles que  entendem a economia como a “ciência” dos bens, das riquezas, excluindo o homem e a humanidade de seus objetos, de suas preocupações. É igualmente disso que sofrem aqueles que acreditam fielmente que a atividade econômica pode ser praticada apesar dos homens, ou seja, contra eles e seu bem – estar. Primazia generalizada do ter sobre o ser, prioridade cardinal aos interesses, aos benefícios, às vantagens obtidas em moeda sobre qualquer outro valor. Nessa ordem de idéias, os interesses econômicos  vêem em primeiro lugar e o ser humano em segundo a seu serviço. Primeiramente o dinheiro e a manutenção das riquezas materiais em bom estado, em seguida, o que sobra.
As análises feitas por Feuerbach em seu livro, A essência do cristianismo, escrito em 1841, visavam expor os processos de alienação pelos quais o homem, despojando-se de seus atributos hipostasiados, fabrica um Deus à sua imagem sublimada: aquilo que o homem não é, ele o projeta, depois lhe dá consistência, forma e, em fim, uma existência. Sobra o culto a se prestar a uma pura criação do espírito: Deus, construído com os encalhamentos do homem metamorfoseado em bugiganga pomposa.A miséria dos homens permitiu a criação da santidade do dinheiro, ela a tornou possível. Em suas sublimações, as civilizações exprimem aquilo que lhes falta, depois seus deuses, se não seu Deus. E essa falta transfigurada em ser cintila e fa scina porque é proibida à maioria, numerosa, para ficar confinada às mãos de alguns. De modo que pareça assim demonstrar a raridade, conseqüentemente a natureza preciosa de um fetiche transformado em mundo. O luxo manifesta esse Deus invisível, dele é sua epifania. Ele torna possível, por meio da hierarquia instalada, a leitura daquilo que causa a miséria, ou seja, a ausência de Deus, a impossibilidade para a maioria de uma comunhão com a hóstia, que é o valor proposto após transubstanciação.
Não há nenhuma soberania individual sem participação nessa religião. Os excluídos, os reprovados alimentam a população de malditos, impedidos de obter riqueza, privados de ter, portanto proibido de ser. Giratórios, circulantes, impetuosos ou flutuantes, esses capitais são inacessíveis para aqueles cuja existência se dedica a movê-los, a tornar possíveis seus fluxos. Nem a terra nem o trabalho permitem a renda ou o salário. Hoje, sozinho, o capital trabalha para interesses ainda maiores à medida que a quantia em jogo se revela considerável. Raramente a pauperização terá sido a tal ponto cínica e frouxa: nenhuma esperança de poder abandonar seu estado de excluído para os que ainda não têm a ganhar e sempre a perder; tudo permanece possível para os que possuem suficientemente para poder comprometer uma parte de sua fortuna; ganhos quase garantidos para os que criam as regras do jogo que jogam, controlam o princípio e o funcionamento lúdico, recuperam as perdas eventuais através de jogos compensatórios aos quais só eles têm acesso. Os pobres irão se empobrecendo à medida que os ricos irão se enriquecendo
O culto prestado ao capital flutuante é inversamente proporcional à participação, direta ou diferenciada, dos impetrantes. Os reprovados aspiram tanto ao que lhes falta quanto os bem-aventurados desfrutam do que, para eles, é uma realidade. O futuro permanece um fantasma para os outros, um desejo investido como tal porque possuído por outros. O desejo mimético faz do escravo um guardião do templo onde comungam seus senhores porque ele espera, um dia, conseqüentemente em vão, participar dos banquetes, mesmo que só lhe deixem as sobras. É por isso que a religião do capital, em seu modo virtual, dispõe de tantos sectários: aqueles que dela desfrutam, evidentemente, e aqueles que acreditam poder dela desfrutar um dia e, por esta razão, desejam a manutenção das regras do jogo com a única esperança de poder, am anhã, sentar-se diante do tapete verde.

José João Neves Barbosa Vicente – josebvicente@bol.com.br
Filósofo, professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB

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