«E procureis viver quietos, e tratar dos vossos próprios negócios e trabalhar com vossas próprias mãos, como já vo-lo temos mandado; Para que andeis honestamente, para os que estão de fora, e não necessiteis de coisa alguma» - I Tessalonicenses, cap.4, vers.11 e 12.
Em Cabo Verde, é visível, apesar da pobreza estrutural, a transformação do aspecto físico das nossas vilas, aldeias e cidades. Rasgaram-se estradas pelos mais variados rincões, construíram-se escolas e liceus um pouco por todo o lado, ergueram-se infra-estruturas básicas que modificaram, qualitativamente, o dia-a-dia dos cidadãos mas, ficou esquecido que nem só de betão vive o homem cabo-verdiano. Têm faltado políticas de sustentabilidade social e falhou-se, redondamente na criação de condições que permitissem às classes mais desfavorecidas irem ficando, paulatinamente, menos dependentes dos tais famigerados “empregos públicos” ou dos “contratos-programa” com as autoridades locais. Ano entra, ano sai e a lenga-lenga é a mesma. Cai chuva, há sorrisos, não cai chuva, há choro. Nada de novo debaixo do sol!
Mas, do meu ponto de vista, o desenvolvimento fez firmar uma ideia muito perniciosa incutida na mente das pessoas, a de que todos podem ter tudo, e que o cidadão cabo-verdiano pode levar uma vida de cidadão do 1º mundo. «Não interessa o teu rendimento familiar, queres ter, tem!» Como? Desenrasca-te! E com que consequências? Passamos a viver aquilo que alguém chamou de CRISE DA REALIDADE. Ou seja, as pessoas passaram a viver num fausto irreal, suportado por nuvens de impossibilidades e por carradas de alicerces podres. O que se tem não se consegue pagar. Como suportar prestações mensais de 100, quando o rendimento familiar é de 20?! Mas, que importa!? Se fulano tem, eu também tenho de ter, porque não?! E esqueço que fulano também está a enganar-me, pois o que ele tem também não está a conseguir pagar. E toda essa crise de realidade traz por arrastão, o germe da destruição do tecido social!
Essa crise de realidade força então a uma rabidância sem limites. Como meio de atingir fins sempre materialistas, prostituem-se mentalidades, enganam-se pessoas, sacrificam-se convicções, sempre na ânsia de ter mais e mais. Ninguém tem paciência para esperar, consequentemente, ninguém batalha por coisa alguma com carácter colectivo. Se se entregar a alguém ou a alguma coisa for a única solução para ter mais e mais de forma rápida, que seja! Não importam mais as convicções, nem a aposta em carreiras francas e honestas, nem a construção do nome e dignidade profissionais, valores caros nos tempos dos nossos pais, estes que nunca estão fora de moda. Antes, continuam sendo baluartes da honra e do bom-nome, bens inestimáveis e de valor incalculável.
O cinismo ganhou papel de destaque. Como forma de colher louros e vantagens, finge-se acreditar no outro, a mão que afaga é a mesma mão que bate, e o sorriso da chegada é o escárnio da partida. Defendem-se pessoas e projectos não pelas matrizes que os corporizam mas pelas vantagens, quase sempre financeiras, daí advenientes. Fulano pode até ter as ideias certas, mas como não tem “nada” para oferecer, prefere-se o silêncio, a omissão, em vez da luta por uma crença. Porque com os bolsos cheios de honestidade e de convicções, não se consegue suportar a «casa do tolo que sobre a areia se fez», como ensina o coro evangélico!
Nós, os cristãos, somos chamados a mudar este quadro. Temos de pugnar por ideais mais nobres, sem pôr em causa o legítimo direito individual de «subir na vida». Contudo, este direito não deve ser exercido à revelia da realidade, nem à custa do amordaçamento das convicções nem da morte das emoções. Meu povo já não se emociona, tornou-se duro. Meu amigo vê em qualquer frase mansa minha, uma ameaça ao seu mundo e à possível descoberta da sua arca dos tesouros escondidos. E assim, vamos cada vez mais ficando distantes uns dos outros. Nós não podemos continuar a manter o ter à frente do ser. Torna-se necessário resgatar valores imateriais como a nobreza do carácter, o acreditar nas coisas que a traça e a ferrugem não consomem, vivendo daquilo que as nossas mãos produzem, andando honestamente e aí veremos, que não necessitaremos de coisa alguma. Deus nos ajude!
Nota: Há 5 anos atrás escrevi um artigo semelhante a este para o Jornal “A Semana”. Por estar a conversar com um amigo meu sobre este assunto que continua sendo actual, resolvi voltar a publicá-lo, depois de feitas as necessárias adaptações.
Em Cabo Verde, é visível, apesar da pobreza estrutural, a transformação do aspecto físico das nossas vilas, aldeias e cidades. Rasgaram-se estradas pelos mais variados rincões, construíram-se escolas e liceus um pouco por todo o lado, ergueram-se infra-estruturas básicas que modificaram, qualitativamente, o dia-a-dia dos cidadãos mas, ficou esquecido que nem só de betão vive o homem cabo-verdiano. Têm faltado políticas de sustentabilidade social e falhou-se, redondamente na criação de condições que permitissem às classes mais desfavorecidas irem ficando, paulatinamente, menos dependentes dos tais famigerados “empregos públicos” ou dos “contratos-programa” com as autoridades locais. Ano entra, ano sai e a lenga-lenga é a mesma. Cai chuva, há sorrisos, não cai chuva, há choro. Nada de novo debaixo do sol!
Mas, do meu ponto de vista, o desenvolvimento fez firmar uma ideia muito perniciosa incutida na mente das pessoas, a de que todos podem ter tudo, e que o cidadão cabo-verdiano pode levar uma vida de cidadão do 1º mundo. «Não interessa o teu rendimento familiar, queres ter, tem!» Como? Desenrasca-te! E com que consequências? Passamos a viver aquilo que alguém chamou de CRISE DA REALIDADE. Ou seja, as pessoas passaram a viver num fausto irreal, suportado por nuvens de impossibilidades e por carradas de alicerces podres. O que se tem não se consegue pagar. Como suportar prestações mensais de 100, quando o rendimento familiar é de 20?! Mas, que importa!? Se fulano tem, eu também tenho de ter, porque não?! E esqueço que fulano também está a enganar-me, pois o que ele tem também não está a conseguir pagar. E toda essa crise de realidade traz por arrastão, o germe da destruição do tecido social!
Essa crise de realidade força então a uma rabidância sem limites. Como meio de atingir fins sempre materialistas, prostituem-se mentalidades, enganam-se pessoas, sacrificam-se convicções, sempre na ânsia de ter mais e mais. Ninguém tem paciência para esperar, consequentemente, ninguém batalha por coisa alguma com carácter colectivo. Se se entregar a alguém ou a alguma coisa for a única solução para ter mais e mais de forma rápida, que seja! Não importam mais as convicções, nem a aposta em carreiras francas e honestas, nem a construção do nome e dignidade profissionais, valores caros nos tempos dos nossos pais, estes que nunca estão fora de moda. Antes, continuam sendo baluartes da honra e do bom-nome, bens inestimáveis e de valor incalculável.
O cinismo ganhou papel de destaque. Como forma de colher louros e vantagens, finge-se acreditar no outro, a mão que afaga é a mesma mão que bate, e o sorriso da chegada é o escárnio da partida. Defendem-se pessoas e projectos não pelas matrizes que os corporizam mas pelas vantagens, quase sempre financeiras, daí advenientes. Fulano pode até ter as ideias certas, mas como não tem “nada” para oferecer, prefere-se o silêncio, a omissão, em vez da luta por uma crença. Porque com os bolsos cheios de honestidade e de convicções, não se consegue suportar a «casa do tolo que sobre a areia se fez», como ensina o coro evangélico!
Nós, os cristãos, somos chamados a mudar este quadro. Temos de pugnar por ideais mais nobres, sem pôr em causa o legítimo direito individual de «subir na vida». Contudo, este direito não deve ser exercido à revelia da realidade, nem à custa do amordaçamento das convicções nem da morte das emoções. Meu povo já não se emociona, tornou-se duro. Meu amigo vê em qualquer frase mansa minha, uma ameaça ao seu mundo e à possível descoberta da sua arca dos tesouros escondidos. E assim, vamos cada vez mais ficando distantes uns dos outros. Nós não podemos continuar a manter o ter à frente do ser. Torna-se necessário resgatar valores imateriais como a nobreza do carácter, o acreditar nas coisas que a traça e a ferrugem não consomem, vivendo daquilo que as nossas mãos produzem, andando honestamente e aí veremos, que não necessitaremos de coisa alguma. Deus nos ajude!
Nota: Há 5 anos atrás escrevi um artigo semelhante a este para o Jornal “A Semana”. Por estar a conversar com um amigo meu sobre este assunto que continua sendo actual, resolvi voltar a publicá-lo, depois de feitas as necessárias adaptações.
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