Monday, April 14, 2008

Daniel Delgado

O cabo-verdiano Daniel Delgado, 43 anos, não tem problemas de auto-estima. Quando marcamos para nos encontrarmos, a referência que me passou foi: “Encontre-me na frente do banco. Eu sou o bonitão de cabelo grisalho.”
Ele é, realmente, um homem calmo, amigável e bonito. Mas nem sempre foi assim. Por muito tempo, Delgado foi um delinquente, vivendo de drogas, álcool e bandidagem. Mudava de país, mas o padrão continuava o mesmo.
Em 2000, no entanto, a sua vida “deu uma cambalhota”. Aos 35 anos, descobriu que era seropositivo. E achou que o melhor seria suicidar-se. Mas, felizmente, nem tudo saiu como planeado.
Depoimento de Daniel Delgado:
Desde muito cedo, o meu estilo de vida era perigoso. Nasci em Cabo Verde, mas mudei-me para Portugal aos 12 anos. Tive o meu primeiro contacto com drogas aos 13. Estudei só até ao quinto ano.
Aos 21 anos, voltei para Cabo Verde. Casei-me e tive uma filha. Depois de dois anos, fui com a minha família para os Estados Unidos. Era em 1987. Usava drogas escondido. Um dia a minha mulher encontrou maconha e cocaína numa das minhas roupas. Foi quando nos separamos.
Acho que foi nessa fase que me infectei. Eu era delinquente, consumia drogas, fazia assaltos à mão armada. Praticava também sexo desprotegido. Depois de sete anos nos EUA, fui deportado.
Em Cabo Verde, passei um tempo nas Tendas El-Shaddai, um centro de reabilitação para toxicodependentes, mas sempre pensando em como voltar para Portugal. Parti pela segunda vez para Lisboa no final de 1999.
Alguns meses depois de ter chegado a Portugal descobri ser seropositivo.
O diagnóstico
Eu era pintor de construção civil quando fui diagnosticado em 2000. Fazia trabalho pesado. Um dia, fui fazer xixi e saiu um jacto de sangue. No hospital, fizeram exames de sangue e mandaram-me para casa.
Comecei a piorar. Não conseguia ficar de pé. Tinha diarréia, vomitava. Voltei ao hospital e fiquei na Unidade de Terapia Intensiva até que me deram uma resposta: eu era seropositivo.
Naquela hora, só pensei em matar-me. Eu tinha um conhecido que tinha falecido de sida. Dois dias depois do diagnóstico, resolvi atirar-me do quinto andar do hospital. A sorte foi que uma enfermeira entrou no quarto e impediu-me de saltar.
Fiquei internado por três meses. Comecei com os antiretrovirais (ARVs) e recebi alta. Mas por causa de problemas pessoais, voltei às drogas e à bebida. Joguei os ARVs no lixo e comecei a viver na rua. Não percebia que a minha vida estava acabando aos poucos.
Um dia, uma instituição evangélica Portuguesa chamada Desafio Jovem encontrou-me e levou-me para um centro comunitário. Estava com diarréia, febre, tuberculose, perda de peso, tudo junto. Cheguei a pesar 36 kg. Lá coloquei a minha vida em ordem e voltei a ficar bem.
Nessa época pus os dois pés no chão e resolvi parar de brincar com a vida.
Voltar para casa
Decidi voltar para Cabo Verde para ajudar outras pessoas, como fizeram comigo. Mandei cartas para amigos e família, dizendo que tinha HIV e que estava a retornar. Ninguém conseguia aceitar. Poderia acontecer com todos, menos comigo.
Naquela época ainda não havia ARVs em Cabo Verde. Mesmo assim, juntei três meses de tratamento e voltei para Pedra Badejo em 2004. Fui trabalhar como voluntário com toxicodependentes nas Tendas El Shaddai.
A minha filha e a minha ex-mulher souberam que eu era seropositivo através de pessoas em Cabo Verde. A minha filha foi até fazer uma formação para entender melhor o que era o HIV. Depois conversou comigo e veio dos EUA até Cabo Verde para me dar um abraço de encorajamento.
Eu estava preocupado porque os meus ARVs já estavam no fim. Recebi então um telefonema da Dra. Jaqueline Pereira, do Ministério da Saúde, dizendo que tinha um presente para mim. Eram antiretrovirais. Quase explodi de alegria. Fui um dos primeiros a recebê-los quando eles chegaram ao país.
Desde que voltei a Cabo Verde, nunca mais tive recaídas nas drogas. Passei a participar em seminários, formações, até que me convidaram para trabalhar com a organização não-governamental Morabi, num projecto do Millenium Challenge Account.
Em Cabo Verde ainda existe muito preconceito. Quando cheguei, eu não era mais o Daniel bonitão, eu era o Daniel seropositivo. Não é falta de informação, as pessoas são muito fechadas. Em certas zonas nem querem ouvir falar disso. Precisa de muito trabalho.
Eu faço o que posso fazer. Hoje trabalho como activista, ensinando a operários de construção como prevenir a sida. No final do ano passado, criei uma associação para reivindicar os direitos dos seropositivos. É uma luta de todos, embora nem todos participem. Mas eu gosto do meu trabalho e de saber que estou a ajudar outras pessoas. Se parar, volto à estaca zero.
Fonte: IRIN/Plus News

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