Thursday, January 1, 2009

Porque me apraz o ano novo

Talvez deva começar explicando porque não me agrada o ano novo. Não me apraz porque:
Dá a alguns a ideia de que o tempo está dividido em porções em que uma termina e outra começa. O tempo é contínuo. Não é uma cadeia de salsichas que pode ser cortada segundo o gosto do que come.
Leva o homem a falar muitas mentiras. Visitemos as igrejas ou os lares, na intimidade, onde se fazem ao Senhor todas as espécies de promessas, que são o resultado do estado mental carregado de emoção. Na realidade, poucas são as promessas feitas desse modo que se cumprem. Assim, o homem habitua-se a mentir com todo o descaro.
Faz-nos conscientes da nossa idade. Dizem que as mulheres param de contar os seus anos depois dos trinta. Os homens igualmente bem o desejariam, mas, como são o “sexo forte”, passam a vida tragando o medo e o desgosto de não revelarem tanta aversão à velhice como as mulheres. Enfim, estas recusam tornar-se velhas, e os homens desenvolvem um complexo de inferioridade ainda que se acham superiores.
Por estas e muitas outras razoes, não me agrada o ano novo. Creio, realmente, que a vida me seria agradável se não houvesse estes lapsos de que hoje é Dezembro e amanhã é Janeiro. Mas, como a sucessão dos anos é inevitável, vejo-me forçado a dizer porque o ano novo me apraz.
Primeiro, Porque me dão sentido matemático de exame interno. Paro e penso no que fiz e no que me falta fazer. Valorizo as minhas acções à luz dos meus ideais e, se as encontro deficientes, procuro melhorá-las. Penso nos meus amigos e vejo se tenho sido amigo; medito nas minhas bênçãos e vejo se tenho sido grato; examino as minhas reacções no convívio com os demais e vejo se tenho sido critico ou negativo no meu procedimento; penso nos que trabalham comigo, para ver se os tenho tratado bem, ou se tenho sido demasiado rude nas minhas relações pessoais. Por tudo isto, o ano novo me apraz.
Segundo, agradam-me os princípios de Janeiro porque me oferecem a oportunidade de me aproximar dos meus ideais. Não sou o que devo ser e não penso como devo pensar, nem creio como devo crer; mas o ano novo leva-me a ajustar as minhas ideias e intenções aos meus desejos e, na identificação daquelas com estes, encontro, progresso. Devo aos meus o ser melhor cada dia, e devo ao meu Deus o ser mais semelhante a Jesus Cristo cada dia e cada ano que passa.
Terceiro, gosto do ano pela algaravia e gozo que proporciona ao homem quando se celebra o ano novo, abre-se um parênteses ao negativo desse mundo, esquecem-se os políticos, deixam-se na prateleira do olvido, ainda que por breve espaço de tempo, os perigos da guerra nuclear e das revoluções, as viagens à lua e as mudanças no governo, para se pensar no mais abstracto, mas real, que se chama a vida, a consciência, o bem viver e o bem-fazer.
Quarto, apraz-me o ano novo, porque me leva a pensar em Deus e em Jesus Cristo, meu Salvador. Esta vida não é apenas material, embora, para subsistirmos necessitemos do material. Nem tão-pouco esta vida é apenas progresso humano – é progresso e Deus; é progresso e paz espiritual; é progresso e os dons divinos de salvação, santificação e madureza no que se relaciona a Cristo.
Assim, embora não possa, por minha natureza peculiar, deixar de pensar no lado negativo dos anos novos, reconheço que há o lado positivo no que chamamos anos, meses e dias. E, posto que o mundo tem tido, desde tempos imemoriais, o desejo de celebrar o ano novo com grito e sinos, com foguetes e banquetes, com orações e promessas, - quem sou eu para mudar as coisa?
Portanto, estimado leitor, FELIZ ANO NOVO.

Por, Dr. Honorato Reza
“In Epistola, Vol 10, Nº 1, pág. 4 e 5, Janeiro/1966”

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