Cleison Mlanarczyki
Publicado em 08.08.2008
Este é o primeiro artigo de uma série de sete publicada com o título "Gente em busca da gente". Clique sobre o nome do autor para ler os outros.
João está morto. Outra boca fechada por falar a verdade. Jesus recebe a notícia num momento delicado. O assassinato do amigo não impede que pessoas passem fome. É um dia cansativo de uma noite má.
“Preciso descansar. Levem-me a um lugar deserto”. Ainda pensando no amigo, Jesus é interrompido pela visão. Não uma visão missionária ou evangelística, gerencial ou administrativa, estratégica ou de planejamento. Ainda não. Jesus vê gente, em todos os cantos. Não adianta olhar para outro lugar, é visão de gente, gente, gente...
Os discípulos também cansados resolvem “aconselhar” o mestre: “Senhor, este é um lugar deserto. Veja bem, está ficando tarde. Mande-os às vilas, deixe que comprem sua comida”. Típico conselho de gente cansada, ou preguiçosa. Típico conselho de gente incapaz, ou dissimulada. Afinal, “o que esta gente precisa?”, pergunta-se Jesus. “Nada disso, não precisam ir. Dêem-lhes vocês algo para comer”.
Jesus retirou-se para um lugar deserto, mas bastou sair do barco para perceber a situação de homens, mulheres e crianças que há muito o seguiam: “Meu Deus, são ovelhas sem pastor”. Cansado, abriu mão do ócio para se dedicar ao negócio: ensinar, curar e alimentar.
Você já entendeu minhas palavras, não é mesmo? Sinceramente, nossa conversa não visa Jesus ou a multidão faminta. Conversamos sobre eu e você, ministério pastoral, desafios cotidianos. Lembrando do Mestre, temos dias iguais a este. No cair da tarde, no gabinete pastoral, olho na tela outro na agenda, mão no teclado outra no telefone, buscando soluções ao escândalo provocado pelo líder adúltero, ao desespero de pais que há pouco perderam um filho, aos funcionários magoados com o “puxão de orelha” da diretoria da igreja, ao “inexplicável” atraso do baterista ao ensaio do louvor.
Por que Deus permite isto? Por que, mesmo exaustos, Deus nos conduz à multidão? Por que, ao buscar descanso na outra margem, só enxergamos gente pedindo socorro?
Querido pastor, a resposta é simples. Gente precisa de gente, gente precisa da gente.
Quero conversar sobre a relação “ministério pastoral e gente”. Revelar, compartilhar e entender o quanto somos tentados a mandar as pessoas até a vila mais próxima, para que lá encontrem alimento. Sei que cansamos. Temos família, sonhos, medos, vontade de ficar a sós. Mas nas palavras de Mateus 14.13-21 enxergamos Jesus querendo descansar, mas pessoas querendo aprender. Jesus querendo ensinar, mas pessoas querendo comer. O que fazer? Que tal “dêem-lhes vocês algo para comer”?
Em primeiro lugar, Jesus procurou a multidão. Não poderia ser diferente. Fazemos isto também, não raro muitas vezes ao dia. Mas Jesus quis mostrar que sem “uma pitada” de sacrifício o trabalho fica “sem tempero”. Com freqüência Deus ordena clara e especificamente para sair de onde estou, ir à casa de um irmão, e agradecer por sua atitude. “Isto o encherá de esperança, meu filho”, ouço Deus dizer, “vá e faça como te mandei”. Mas tenho a mensagem do domingo, gente para aconselhar, cartas para assinar, e-mails para responder, artigos para escrever. “Saia de trás da mesa. Vá e fale. Dê um abraço. Diga o quanto é importante. Agradeça o apoio e as orações. Ouça-o com plenitude e respeito. Vá! Saia de trás da mesa!”. Você já ouviu Deus assim? Certamente. Por isso Jesus procurou a multidão.
As pessoas são diferentes umas das outras. Cada pessoa tem o seu ritmo. Para alcançar a todas, deve-se procurar a cada uma. A receita é simples. O trabalho também. Mas toma tempo. Não raro percebo a multidão apenas quando me retiro ao deserto. Deus espera que lá eu chegue, a fim de que lá eu veja.
Jesus saiu do barco para ver “ovelhas sem pastor”. Entendeu que gente procura gente para aprender a perdoar. Gente livre do orgulho aceita as divergências, entende que outros serão santos mesmo que diferentes. Jesus olhou para a multidão e sentiu-se mais cansado do que já estava, mas encorajou seus discípulos a alimentar o povo. Ele já entendia o que descobri somente há alguns anos: “as pessoas precisam de Deus, e as pessoas precisam de pessoas”.
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