Monday, October 15, 2007

Seminário, Igreja do Nazareno, Reforma


Corria o ano da graça de Nosso Senhor de mil e novecentos e cinquenta e seis. Meu irmão maior e eu, então os únicos, ainda tão pequenos, tínhamos por ocupação e hobby rolar no banco de areia contíguo à casa da nossa infância, cortar talhadas da areia conglomerada pela acção da chuva e moldar navios que fazíamos navegar na crista seca da duna. Naquela idade, em que o misterioso e o natural eram-nos a mesma coisa, meses e dias não entravam na nossa conta. Trago grata recordação de uma bela manhã, de domingo, evidentemente, em que a mãe veio interromper nossa brincadeira na saudosa duna para nos lavar, vestir as calças e mandar “ à igreja daquele homem”, expressão, registada por minha memoria infantil, de alguém que não mais posso identificar.
A igreja de “ aquele homem” era interessante e “aquele homem” agradável, no falar e na feição. Da primeira classe de formados pelo Seminário Nazareno em São Vicente, chegara, havia pouco, para a estranhada missão de pregar o evangelho e organizar “outra” igreja.
Havia uma razão para a esquisita mas expressiva identificação: era, paradoxalmente, subtil e agressivo nos modos e a mensagem, posto que ignorada, mostrava-se bem demarcada em suas fronteiras. Não dava margem para dúvidas, não confundia o povo e não claudicava ante modernismo nem tradicionalismo. Era a boa nova de perdão total e gratuito do fatal pecado, plena reconciliação, pela fé, e só pela fé, no sangue de Jesus Cristo, e da habitação de Deus com e no homem, para nova vida. Querida de uns, mofada de outros, “Jesus está no meu coração” tornou-se expressão na boca do mundo.
Não foi necessário esperar muito. O entusiasmo e a vida da igreja de “ aquele homem” nos cativaram e cedo nos convertemos também, tornando parte dela.
O tempo cumpre o seu curso. Décadas volvidas, algo me convence de que aquele enviado homem de Deus cruzou meu caminho e marcou meu distino. Medito mais profundo e concluo que atrás da cortina de sua figura, actuava a instituição donde partira para a missão, a mesma da qual, com ele e após ele, seguramente, mais de três dezenas e meia de homens, afora mulheres, e eu também, convocados pelo Mestre, têm saído para, com a mesmíssima mensagem, cruzar os caminhos dos homens cabo-verdianos, não como elites esquizofrénicas, mas saudáveis e dignos homens do seio povo, para o animar, e para dar-lhe o saber e ensinar-lhe o querer do Bem.
O contraste entre o sábio e o estulto, o desonesto e o honrado, o ébrio e o sóbrio, o pródigo e o generoso, o infiel e o carinhoso, o lar desmoronado e o estabelecido, entre o vicio e a virtude, o falido e o reanimado, a criança delinquente e o homem digno dela tirado, define bem o alcance e o propósito dessa instituição.
Adivinho o que não seria de mim próprio sem ela, sem a mensagem.
Nisto vejo uma mensagem tridimensional: O SN é pela igreja do Nazareno, por Cabo Verde, pela Reforma Protestante. E por Cristo.
Tributa não ao falho humanismo mas ao triunfante Cristianismo.
Modernismos espreitam e seduzem qual manhosa serpente; tradicionalismos e ocultismos recobram ânimo e avançam a passos de gigante desmesurado. Seminário, permanece, mais e mais portentoso e pungente, em tua divina missão!
Obrigado, “Aquele Homem”, obrigado Seminário Nazareno!

Rev Fortunato Lima
“in Epistola, Novembro 1986”

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Respondendo aos insistentes pedidos de antigos leitores do Epistolaonline, eis que anuncio o seu regresso. Na estrada, para a gloria de Deus.